A ameaça de um ministro face ao desespero de um presidente

27-04-2020

CNN

Por João Dias

Neste primeiro semestre de 2020, o surto de COVID-19 está a causar sérios problemas de conhecimento global a muitos países, desenvolvidos e subdesenvolvidos, mas principalmente naqueles onde o combate contra o mesmo tem demonstrado ser pouco ou quase nulo.

Este é o caso do Brasil, onde o primeiro caso de COVID-19 foi registado em 26 de fevereiro na cidade de São Paulo, a cidade mais populosa do país. Em um primeiro momento pensava-se que a situação estaria controlada e que seria possível testar os casos e garantir que, se se revelassem positivos, fossem monitorizados e tratados, de acordo com o até então ministro da saúde Luiz Henrique Mandetta.

A primeira declaração de emergência sanitária veio muito antes do primeiro caso ter sido confirmado. Na terça-feira de 4 de fevereiro o próprio governo federal decretou emergência sanitária e enviou para o congresso um projeto de lei com medidas contra a pandemia de COVID-19, medidas essas que incluíam isolamento, separação de pessoas doentes ou contaminadas, quarentena, entre outras. Porém, a realidade mais à frente seria outra.

Após mais casos começarem a ter sido registados, governadores de estados do país começaram a decretar a proibição de eventos com mais de 500 pessoas para evitar aglomerações, as aulas nas escolas e universidades começaram a ser suspensas gradualmente e espaços culturais foram encerrados. No Rio de Janeiro, o governador Wilson Witzel decretou que a Polícia Militar do estado poderia evacuar as praias, caso necessário para impedir as aglomerações e diminuir as probabilidades de contágio.

O Presidente Jair Bolsonaro, durante uma declaração oficial no dia 24 de março, defendeu uma estratégia denominada pelo próprio de "isolamento vertical", onde apenas os idosos e pessoas com doenças pré-existentes deveriam ficar em casa diante do avanço do número de casos confirmados no país, e que os estabelecimentos comerciais, escolas e universidades, deveriam voltar às suas atividades normalmente. Fica claro com estas afirmações que a posição adotada pelo presidente é voltada para a economia como uma forma desesperada de tentar evitar a recessão que se aproxima do país e prejudicar o seu mandato e a suas aspirações de reeleição em 2022. O Brasil, embora seja um país bastante populoso, é um país que tem uma economia muito volátil e instável, economia esta que, face a uma crise sanitária das proporções que o COVID-19 está a ter em países da Europa, poderia estar a levar o país a uma das maiores receções da sua história. Situação que foi analisada por deputados como Kim Kataguiri, que mencionou um projeto de lei onde seriam efetuados cortes nos salários dos funcionários públicos que sejam acima da média e que ganhem acima do teto do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Foram também levadas ao congresso propostas para destinar os R$2,035 bilhões do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC), o famoso "fundão", para o combate à COVID-19, portanto as propostas estão na mesa prontas para serem aprovadas, ou não, pelo congresso brasileiro. Cabe agora aos mesmos decidirem sobre o futuro da economia do país.

A posição adotada pelo Presidente foi fortemente condenada por vários políticos e entidades de saúde do país, afirmando irresponsabilidade e desinformação do líder nas suas declarações, muitos dos quais afirmaram ir contra às vontades do presidente e seguir as indicações do ministro Henrique Mandetta. Foi a partir daqui que a popularidade do ministro, que já tinha um bom índice de aprovação por parte dos brasileiros, começou a crescer a níveis astronômicos. Com um presidente que contraria as indicações da OMS (Organização Mundial da Saúde), os brasileiros que sabem os perigos do vírus voltaram-se para Mandetta. O ministro sempre foi muito cauteloso no que diz respeito a contrariar as palavras do Presidente Jair Bolsonaro, contudo, manteve sempre o discurso de que o isolamento das pessoas é a melhor forma de combate à COVID-19. O presidente, por sua vez, ignorou toda e qualquer indicação de isolamento, ou medidas de prevenção para evitar a propagação do vírus.

O capital político de Mandetta cresceu, face a impopularidade do presidente brasileiro que deixou de vê-lo como um aliado político, agora como uma ameaça às suas aspirações de reeleição em 2022. Bolsonaro demitiu Mandetta na quinta-feira dia 16/04, na pior altura possível para tal, pois com um vírus tão imprevisível como este que enfrentamos, a troca total da equipa de um ministério poderá vir a atrasar as medidas de combate e prevenção, o que poderá ter repercussões catastróficas.

Cabe agora a Nelson Teich, assumir a pasta do Ministério da Saúde do Brasil, neste tempo crítico para o país. Caberá também a este decidir se seguirá com as medidas de prevenção adotadas pelo antigo ministro ou ir de encontro aos desejos e vontades de um presidente que coloca a sua popularidade e interesses eleitorais à frente de uma luta que afetará todos os brasileiros, ricos ou pobres


Referências

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Obtido de https://exame.abril.com.br/economia/projeto-propoem-usar-dinheiro-do-fundo-eleitoral-no-combate-ao-coronavirus/

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Obtido de https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/03/24/veja-repercussao-ao-pronunciamento-de-bolsonaro-em-que-ele-pediu-volta-a-normalidade-fim-do-confinamento-e-disse-que-meios-de-comunicacao-espalharam-pavor.ghtml

G1, TV Globo. (2020). Bolsonaro volta a ignorar orientações de distanciamento social em cerimônia no Planalto(on line).

Obtido de https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/04/17/bolsonaro-volta-a-ignorar-orientacoes-de-distanciamento-social-em-cerimonia-no-planalto.ghtml

Jornal Nacional. (2020). Bolsonaro demite Mandetta do Ministério da Saúde: "Foi um divórcio consensual" (on line).

Obtido de https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/04/16/bolsonaro-demite-mandetta-do-ministerio-da-saude-foi-um-divorcio-consensual.ghtml

Shalders, A. (2020). Coronavírus: quem pode decidir sobre a quarentena dos brasileiros: Bolsonaro ou governadores? (on line).

Obtido de https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52044708

UOL. (2020). Coronavírus: Kim Kataguiri quer cortes de salários de funcionários públicos (on line).

Obtido de https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/03/31/coronavirus-kim-kataguiri-quer-cortes-de-salarios-de-funcionarios-publicos.htm

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