A instrumentalização da crise dos refugiados

16-03-2020

Konstantinidis/Reuters

Por David Trabuco

Em 2015 a União Europeia deparava-se com a maior crise de refugiados da sua historia. Aproximadamente um milhão de refugiados chegou à Europa, tentando escapar dos múltiplos conflitos no Médio Oriente, em particular da Síria.

O fluxo de refugiados na Europa teve um impacto mais significativo nos países de maior proximidade ao Médio Oriente, tais como a Grécia e a Itália, que serviram de porta de entrada, e país de acolhimento, para a grande maioria dos refugiados (Spindler, 2015).

Vários países europeus receberam múltiplos refugiados, durante um substancial período de tempo, nomeadamente a Alemanha, que recebeu cerca de um milhão de refugiados. Destaca-se, no entanto que, progressivamente, as politicas de acolhimento voluntario de refugiados abrandaram significativamente, dada a forte contestação interna que se instalou, fomentada, essencialmente, por parte de movimentos populistas de direita, que utilizaram a entrada de refugidos para os seus fins políticos. Salienta-se, assim, que o problema dos refugiados persiste, tendo inclusivamente agudizado recentemente, dado a Turquia, país que tem servido de tampão, acumulando elevado número de refugiados, abriu a suas fronteiras, tendo permitido a passagem de cerca de três milhões, os quais procuram entrada na União Europeia. (UNHCR, 2020)

Até ao presente momento a União Europeia tem pago avultadas somas à Turquia, que em troca mantinha os refugiados no seu país, evitando desta forma a sua entrada na Europa. Perante a tomada de posição da Turquia, a União Europeia acabou por recorreu à Grécia para conter o fluxo de refugiados, em claro contraciclo relativamente as politicas de acolhimento utilizadas aquando do início da crise dos refugiados.

A Grécia, que há vários anos vive submersa em problemas económicos, e aliado ao facto de já ser um dos principais polos de refugiados na Europa, tomou uma posição firme, e bastante musculada, opondo-se fortemente à entrada de mais refugiados, tendo de imediato fechado as suas fronteiras e suspendido o estatuto dos refugiados por um período de um mês. A resposta da União Europeia foi de apoio as medidas tomadas pela Grécia, declarado o país como "Europe's shield", e atribuíndo fundos às autoridades gregas (Frelick, 2020).

Com isto, a União Europeia, que exulta e pauta a sua atuação pelo normativo do direto internacional, acaba por cometer uma grave violação aos seus princípios, ao colocar em causa os direitos e liberdades dos refugiados. A razão de tal atuação reporta, em parte, aos influxos passados de refugidos na Europa, os quais ditaram mudanças de correntes de pensamento, situação que, tal como já referido, não se pode dissociar da intervenção dos partidos populistas de direita na europa, bem como dos avultados custos sociais e económicos para os países de acolhimento. Paralelamente, sublinha-se o facto da Turquia estar a utilizar os refugiados como arma de arremesso politico, procurando forçar apoios no fortalecimento dos seus interesses na Síria.

No que reporta a atuação dos partidos populistas, que cresceram devido a crise de refugiados, a título de exemplo destaca-se o episodio insólito de um dos lideres do partido Sweden Democrats, proveniente de um dos países que mais refugiados aceitou, que decidiu distribuir panfletos aos refugiados, os quais diziam Sweden is Full (Habib, 2020).

Relativamente à Turquia, salienta-se o facto de ser uma potencia regional membro da NATO, bem como a sua pretensão em fazer parte da União Europeia. No entanto, a recente incursão militar turca na Síria contra o regime de Bashar al-Assad, acabou por constituir-se como um foco de conflito com a União Europeia, e que levou ao governo de Ankara a proceder à abertura das suas fronteiras, como forma de pressão, visando recuperar o apoio da comunidade internacional, e principalmente da União Europeia, que se tem oposto a escalada do conflito em Idlib (Fox, 2020).

Esta tentativa de pressão, no entanto, acabou por ser suavizada com o bloqueio aos refugiados exercido pela Grécia, permitindo, assim, à União Europeia distanciar-se da atuação da Turquia na Síria, bem como do seu principal aliado a Rússia. Verifica-se, assim, que a preocupação em relação aos refugiados é substancialmente menor, sendo que cada vez mais os mesmos são utilizados como ferramentas, visando assegurar agendas particulares, quer de países, quer de partidos, que os utilizam como forma de fomentar ou fortalecer os seus próprios interesses.

Sublinha-se, assim, que a aceitação de refugiados em solo europeu, teve como consequência quer o fortificar, quer o ressurgimento de partidos populistas por toda a Europa, cuja agenda politica tende à ostracização dos refugiados, com a implementação de retoricas xenófobas, que dificultam de forma substantiva a vida dos refugiados e a sua relação com o país de acolhimento, gerando movimentos restritivos a futuros acolhimentos.

Urge, pois, que a União Europeia procure assegurar a redistribuição dos refugiados de uma forma mais equitativa por todos os países europeus, limitando assim o impacto decorrentes da um excesso de acolhimentos e minimizando as suas consequências, principalmente em países como a Grécia e a Itália, aos quais desembocaram um grande número de refugidos.

Progressivamente a União Europeia deve cessar as sanções impostas na Síria, epicentro da crise dos refugiados, por forma que este o país retome a sua normalidade, podendo então os seus habitantes ambicionar por melhores condições de vida na sua própria pátria, o que levaria a que não tivessem necessidade de procurar outros países que lhes permitissem alcançar tão simples aspirações. (European Council, 2020).

Exige-se, portanto que a União Europeia implemente medidas e posições que visem a estabilidade na Síria e no resto do Médio Oriente, acabando com as suas falsas hipocrisias humanitárias e moralistas.


Referências

European Council. (2020). Syria: EU renews sanctions against the regime by one year. European Council.

Obtido de https://www.consilium.europa.eu/en/press/press-releases/2019/05/17/syria-eu-renews-sanctions-against-the-regime-by-one-year/

Fox, T. (2020). Erdogan's Empty Threats. Foreign Policy.

Obtido de https://foreignpolicy.com/2020/03/02/turkey-opens-borders-to-migrants-crossing-to-greece/

Frelick, B. (2020). Interview: What's Happening to Refugees in Greece. (A. Braunschweiger, Entrevistador). HUMAN RIGHTS WATCH.

Obtido de https://www.hrw.org/news/2020/03/06/interview-whats-happening-refugees-greece

Habib, H. (2020). Outrage after far-right Swedish MP goes to Greece and gives refugees leaflets saying: 'We're full - don't come!'. Independent.

Obtido de https://www.independent.co.uk/news/world/europe/sweden-full-leaflets-greece-refugees-jimmie-akesson-a9383996.html

Spindler, W. (2015). 2015: The year of Europe's refugee crisis. UNHCR.

Obtido de https://www.unhcr.org/news/stories/2015/12/56ec1ebde/2015-year-europes-refugee-crisis.html

UNHCR. (2020). OPERATIONAL PORTAL REFUGEE SITUATIONS. UNHCR.

Obtido de https://data2.unhcr.org/en/situations/syria/location/113

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