COVID-19: O que o Ocidente tem a aprender e o impacto nas relações internacionais

23-03-2020

                                                                                                 South China Morning Post

Por Catarina Lalanda

Por estes dias, é inevitável relacionar todos e quaisquer assuntos com a crise de saúde pública que o mundo enfrenta, o vírus COVID-19, que foi já declarado pandemia pela Organização Mundial de Saúde. A verdade é que muitos se debatem ainda sobre a forma como este vírus, oriundo de uma província chinesa, tomou de assalto todo o mundo, e em concreto, o Ocidente. Durante semanas a fio, todos os meios de comunicação noticiavam que a escalada do vírus na Coreia do Sul estava fora de controlo, e todos os dias vimos o número de infetados multiplicar-se. 

No entanto, à data de 22 de março, a Coreia do Sul descia já para a posição do sétimo país com maior número de casos ativos, após semanas de crescida exponencial e a registar o maior número de infetados em todo o mundo, logo a seguir à China. Tendo em conta todos estes dadoa, como se explica o facto de que a Coreia do Sul não chegou a atingir ainda sequer a marca dos 9,000 infetados, mesmo que se incluam os doentes recuperados e as mortes? Na verdade, a Coreia do Sul registou, à referida data, 104 mortes. Isto significa que a taxa de mortalidade na Coreia do Sul é de apenas 1,2%, significativamente mais baixa que a taxa de mortalidade a nível mundial, que neste momento representa aproximadamente 4,3%. Todos os valores apresentados referem-se aos registos presentes na plataforma worldometer.info, na qual estão disponíveis e em constante atualização os dados confirmados pelos Governos e entidades responsáveis pela saúde de cada país, em todo o mundo. 

Ainda sobre a Coreia do Sul, denote-se que este é um país cuja população é particularmente envelhecida, apesar de não ocupar lugares tão elevados nos demais relatórios acerca do índice de envelhecimento, como por exemplo Portugal, Itália ou o Japão. Em Dezembro de 2019, a agência de notícias Bloomberg noticiava que a nação coreana estava prestes a quebrar o seu recorde para a taxa de natalidade mais baixa, após registar o valor de 0,88% no terceiro trimestre do ano passado. Sendo que já todos conhecemos como a idade avançada representa um dos mais alarmantes fatores de risco para se contrair e ser vitimado pela doença, como se explica o caso de sucesso (apesar das inevitáveis 104 baixas) que representa a Coreia do Sul, bem como de outros países orientais que poucos ou nenhuns casos registaram apesar da proximidade geográfica com o território chinês?

Num artigo disponível na plataforma digital da revista americana TIME, Gavin Yamey, médico e professor na Duke University, analisou os cinco passos fulcrais para o ideal "achatamento da curva", aquilo que a maioria dos países tem idealizado alcançar, e que se revelou eficaz no Japão, Hong Kong, Singapura e Coreia do Sul.

O primeiro, e mais importante passo é testar. A chave está em testar o máximo e com a maior abrangência possível, e não apenas quem tem sintomas, ou apenas quem esteve de certeza em contacto com pessoas infetadas. Os países que se revelaram capazes do tal "achatamento da curva" testaram a população em massa, permitindo que mesmo quem estivesse assintomático, mas quisesse ser testado, o pudesse fazer, de forma gratuita e sem sobrecarregar os centros hospitalares e outras unidades de cuidados médicos, nomeadamente através de centros de teste drive-thru. Quem quisesse ser testado tinha apenas de se deslocar a um destes pontos de teste, de carro, e o teste era feito no momento.

A coordenação e comunicação é outra ferramenta imprescindível para o controlo do vírus e, para isso, é necessário que todas as entidades estejam em permanente contacto e a par de todos os desenvolvimentos, desde o Governo, diretores e outros responsáveis pelo sistema de saúde, até às direções das unidades hospitalares e líderes regionais. Esta é uma tarefa fora do alcance da população, e podemos apenas esperar que o Governo e as restantes entidades estejam de facto coordenadas e a tomar medidas preventivas, e não de "remédio", pois foi a atuação tardia e má preparação que conduziu Itália à presente situação de tragédia.

A Itália regista, até ao momento, uma taxa de mortalidade de 9%, o dobro do valor a nível mundial. Podemos considerar que a Itália se tornou o "contraexemplo" e se os países ocidentais que enfrentam agora os estágios iniciais da doença não querem enfrentar o mesmo cenário, devem seguir os exemplos eficazes de combate ao vírus. Mesmo que essas medidas venham a exigir um elevado sacrifício e contenção por parte da população, não será este um mal menor? Visto que é em prol da proteção de vidas e da subsistência do sistema de saúde? Não esqueçamos que o sistema de saúde italiano está a implodir, os profissionais de saúde estão esgotados e, não tendo recursos para acudir a todos os doentes, vêem-se obrigados a decidir quem é tratado e quem não é. A carga laboral é tanta como a emocional e prevê-se já o enorme decréscimo de profissionais de saúde em funções quando esta crise passar.

Há ainda que ter em conta os efeitos sociais e internacionais "pós COVID-19", que certamente se irão notar por todo o mundo. A luta que neste momento se trava contra esta doença tem fechado fronteiras, posto países inteiros em quarentena, declarado "estados de emergência" um pouco por todo o mundo e sobrecarregado alguns setores (como a saúde, forças armadas e outros agentes de autoridade). Aliás, conforme referido já por alguns líderes mundiais, o momento que atravessamos mais se assemelha a um momento de guerra. Com isto, é previsível que venhamos a confrontarmo-nos com um momento hostil no plano internacional, pois foram já várias as manifestações de descontentamento que alguns países demonstraram, relativamente às medidas impostas por outros. Temos como exemplo a tensão entre o Japão e a Coreia do Sul, após o governo japonês ter imposto quarentena obrigatória a todos os cidadãos coreanos que viajassem para o Japão. O Governo coreano considerou a decisão "irracional e excessiva" e prometeu "responder em proporção" às exigências japonesas. O Ministério dos Negócios Estrangeiros coreano chegou a revelar alguns indícios de desconfiança entre as duas nações, pois as notícias das medidas impostas pelo Japão surgiram sem qualquer discussão ou consulta do governo coreano, levando a acreditar que pudesse haver outras intenções - que não apenas a prevenção do COVID-19 - para decretar medidas tão severas e de forma tão repentina.

Como já seria de esperar, a crise do COVID-19 veio complicar (ainda mais) as relações entre os Estados Unidos da América e a China. É um facto que a abordagem do líder americano Donald Trump não foi, desde o início, a mais diplomática ou sequer de grande credibilidade perante o vírus, chegando frequentemente a denominar a pandemia como "vírus da China". Agora, o ataque surge da outra parte. Um diplomata chinês e diversas agências de notícias têm tentado difundir que o surto de COVID-19 surgiu "pela mão" de um grupo de militares norte americanos que visitaram Wuhan em outubro do ano anterior, cerca de dois meses antes da doença ter começado a ser noticiada em todo o mundo. Até ao momento não há provas concretas ou sequer legítimas que possam sustentar estas acusações, e por isso, para já não passa de uma teoria da conspiração. Acredita-se, portanto, que esta possa ser uma reação de retaliação à despreocupação inicial de Donald Trump perante o vírus, e a forma como o tem instrumentalizado nos seus discursos políticos, promovendo de forma subtil o preconceito e a descriminação.

Estes são apenas alguns exemplos, mas que evidenciam que as relações internacionais se encontram frágeis, e que este é já um efeito colateral da pandemia. Os líderes mundiais, as organizações governamentais e os agentes de corpo diplomático estarão no centro das atenções logo que a presente crise de saúde pública esteja sob controlo, pois haverão laços bilaterais e multilaterais para fortalecer, bem como relações hostilizadas para amenizar.



Referências

Kim, S. (2019). Coreia alerta que envelhecimento populacional impacta inflação. UOL/Economia/Bloomberg. Obtido de https://economia.uol.com.br/noticias/bloomberg/2019/12/18/coreia-alerta-que-envelhecimento-populacional-impacta-inflacao.htm

Lee, J. & Herskovitz, J. (2020). South Korea Blasts Japan's 'Irrational' Decision to Quarantine Its Citizens. Bloomberg.

Obtido de https://www.bloomberg.com/news/articles/2020-03-06/south-korea-blasts-japan-over-move-to-quarantine-its-citizens

Myers, S. L. (2020). China Spins Tale That the U.S. Army Started the Coronavirus Epidemic. The New York Times.

Obtido de https://www.nytimes.com/2020/03/13/world/asia/coronavirus-china-conspiracy-theory.html

Westcott, B. & Jiang, S. (2020). Chinese diplomat promotes conspiracy theory that the US military brought coronavírus to Wuhan. CNN.

Obtido de https://edition.cnn.com/2020/03/13/asia/china-coronavirus-us-lijian-zhao-intl-hnk/index.html

Worldometer. (2020). COVID-19 CORONAVIRUS PANDEMIC.

Obtido de https://www.worldometers.info/coronavirus/

Yamey, G. (2020). What the U.S. Needs to do Today to Follow South Korea's Model for fighting Coronavirus. TIME.

Obtido de https://time.com/5804899/u-s-coronavirus-needs-follow-s-korea/

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