Os Campos de "Reeducação" na China

15-02-2020

Jornal Tornado

Por Carolina Esteves

O que o Governo Chinês define como "instituições para reeducação" é, na verdade, semelhante a campos de detenção ou sistemas de lavagem cerebral para minorias religiosas, o que leva a uma enorme crise de direitos humanos no país.

Onde antes se situava apenas um espaço com areia, é agora um território protegido pelo governo chinês onde são, como muitos afirmam, "internados" milhares de muçulmanos. Esta comparação foi feita através de imagens satélite que mostram que em 2015 uma área a oeste do país do que não passava de um deserto e que no ano de 2018, quando capturadas novas imagens, mostram um edifício com uma estrutura de segurança reforçada, rodeado por cerca de 16 torres de guarda. Este edifício situa-se na província autónoma de Xinjiang, região que abriga cerca de 10 milhões de islâmicos de etnia uigur.

O Governo nega que as pessoas estejam a ser mantidas nestes campos de internação contra a sua vontade, afirmando, no entanto, que "os extremistas religiosos" estão em "centros de reeducação", tentando assim de alguma forma passar a mensagem de uma forma mais politicamente correta. De certa forma resultou já que, quando questionados sobre o que eram as 16 torres vistas nas imagens satélite alguns dos cidadãos respondiam ser "uma escola de reeducação, há dezenas de milhares de pessoas lá agora. Eles têm alguns problemas com os seus pensamentos", para esta população, a palavra escola ganhou um novo significado. Este mesmo conceito de "escola" é utilizado em propagandas e publicidades, quando mostram as salas de aula limpas e com vários alunos que aparentam estar satisfeitos ao frequentar o seu curso, sendo assim evidenciada a tentativa de encobrir o sistema que realmente está a ser executado mesmo debaixo do nariz de toda a população.

Apenas em Xinjiang a população é composta por cerca de 10 milhões de uigures. Após a entrada do comunismo no país, Xinjiang afastou se do governo através de pequenos períodos de independência, desde aí que os protestos e momentos de violência se tornaram regular. A relação entre uigures e o chefe de Estado da China já conta com um historial de rebeliões e resistência, o que torna a mesma cada vez mais preocupante. Ao longo dos últimos anos o alvo tem sido Xinjiang, nomeadamente com a criação de supostas medidas de segurança que acabam por ser medidas impostas por um governo contra o seu próprio povo, e também com a criação de novas punições para limitar as práticas islâmicas, com a proibição, por exemplo, de lenços na cabeça, barbas, e também a instrução religiosa a crianças cujo nome soasse islâmico.

Através de vários relatos de sobreviventes dos campos é possível verificar que a vida dentro da tal "escola" não é na realidade tão agradável quanto parece. A rotina dentro dos campos assemelha-se à de qualquer detido numa prisão. Segundo Ablet Tursun Tohti, cidadão que frequentou os campos, eram acordados antes do sol nascer e no pátio eram obrigados a correr, quem não corresse rápido o suficiente seria deslocado para uma sala de punição, onde se encontravam dois homens, um que utilizava um cinto e outro que chutava os detidos. Estes eram também obrigados a cantar uma música chamada "Sem o Partido Comunista não pode haver uma nova China", e também tinham de aprender a legislação, sendo que se não recitassem tanto a canção como a legislação corretamente seriam castigados. Ablet esteve no campo de reeducação durante um mês no final de 2015, nesta altura os "cursos" eram mais curtos. Conseguiu sair da China antes da apreensão de passaportes e refugiou-se na Turquia, no entanto afirma que o seu pai de 74 anos e os seus 8 irmãos ainda estão internados nos campos.

Outro caso já conhecido é o de Abdusalam Muhemet, de 41 anos, que atualmente também vive na Turquia. Abdusalam foi detido pela polícia em Xinjiang em 2014 por recitar um verso islâmico num funeral, naquele momento a polícia disse-lhe que não ia ser castigado mas que precisava de ser educado e este acabou por ter a mesma experiencia de exercícios, abuso de poder e "lavagem cerebral" que Ablet e muitos outros referem.

Após estes relatos podemos então relembrar as imagens que supostamente eram divulgadas de salas de aula limpas e boas condições de vida para a reeducação dos detidos, pois o que os sobreviventes contam é completamente diferente: "As portas dos dormitórios ficavam trancadas à noite e não havia casas de banho nos quartos, eles davam-nos apenas uma tigela", declara Ablet.

Em 2019 foram revelados vários documentos oficiais chineses que evidenciaram o sistema de lavagem cerebral que realmente se passa na China contra centenas de milhares de muçulmanos. Entre esses documentos está um memorando de nove páginas enviado por Zhu Hailun, secretário-adjunto do Partido Comunista em Xinjiang para os responsáveis pelos campos de internação em 2017. Neste documento torna-se claro através das instruções dadas, que os campos de reeducação devem ser tratados como prisões de segurança máxima, algumas das instruções eram: "nunca permitir fugas; aumentar a punição contra violações de comportamento; fazer os estudos do mandarim a prioridade máxima e garantir a vigilância por vídeo dos dormitórios e salas de aula a fim de evitar pontos cegos". Outros documentos mostram os números assombrosos de detenções, por exemplo, no período de uma semana em 2017 foram feitas mais de 15 mil detenções de pessoas da região do sul de Xinjiang. A diretora da Human Rights Watch para a China, Sophie Richardson, afirma que estes documentos deveriam ser usados como base para várias ações contra o país, "São evidências que documentam inaceitáveis violações de direitos humanos"

Quanto ao sistema utilizado nestes campos, segundo os testemunhos das antigos detidos, esta baseia-se na avaliação feita por quatro comitês do Partido Comunista da China, que procura ver mudanças ideológicas, estudos e compromisso por parte da pessoa, com o objetivo de esta se integrar com o resto da população chinesa, são estes os parâmetros determinam se a pessoa poderá ser solta ou não.

Todas estas declarações apontam para a forte possibilidade do Governo Chinês querer, através de fome, tortura e violência levar os uigures a declamarem a sua devoção pelo presidente Xi Jinping e pelo Partido Comunista Chinês, bem como a renunciarem à sua religião original. 


Referências:

BBC. (2019). Os documentos secretos que revelam lavagem cerebral de presos de minoria étnica na China.

Obtido de https://www.bbc.com/portuguese/internacional-50543654

Oliveira, B.L. (2020). Crise de direitos humanos dos Uigur na China. Jornal Tornado.

Obtido de https://www.jornaltornado.pt/crise-de-direitos-humanos-dos-uigur-na-china/

Sudworth, J. (2018). Por dentro dos campos de 'reeducação' para onde são mandados muçulmanos na China. BBC News.

Obtido de https://www.bbc.com/portuguese/internacional-45999030

Terzeon, J. (2018). China has been accused of putting 1,000,000 Muslims in prison camps. VT.

Obtido de https://vt.co/news/world/china-has-been-accused-of-putting-1000000-muslims-in-prison-camps/

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