Os filósofos de café

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Crónica por João Pedro Canário
É muito português ter uma opinião formada sobre tudo e todos, é rara a pessoa que não tenha na ponta da sua língua uma frase pronta a dizer. Sobre política então o tom costuma subir e aí os filósofos de café adeptos fervorosos do abstencionismo entram em cena de rompante. Esta é uma espécie cada vez mais longe da extinção, que debate sobre tudo como se não houvesse amanhã e que se pudesse colocava um Salazar em cada esquina. O mais engraçado é que nunca votam, não votam, porque as melhores ideias para o país segundo os mesmos são as suas e se as pudessem pôr em prática tudo ficava resolvido num ápice.
No dia das eleições ficam comodamente sentados no seu sofá ou no seu café predileto a debitar bitaites pouco ou nada construtivos, entretidos com os seus julgamentos de tabacaria e até a fazer as projeções do futuro vencedor da noite. Curiosamente falam tanto da atualidade, mas neste dia preferem fazer tudo menos mudar o rumo do país na respetiva mesa de voto.
Muitos têm a mania de apregoar que os exemplos tem de vir de cima. Quando no fundo os políticos são e tem sido o reflexo do povo português ao longo do tempo. Diaboliza-se constantemente este meio dizendo que quem o compõe são os maus da fita, os típicos suspeitos do costume. Tal como existem políticos de 2a,3a, 4a e 5acategoria, também existem pessoas da mesma espécie. Todos aqueles que integram a esfera política são pessoas comuns como outras quaisquer. Muitas das pessoas de hoje podem a vir a ser os políticos amanhã. Por isso, os exemplos tem de partir de nós, quem chega ao poder põe em prática tudo o que para ele é a norma e não a exceção, em virtude de tudo aquilo com o qual se depara no dia-a-dia.
Se cada um fizer o exercício introspetivo de olhar honestamente para si próprio perceberá que alguns dos comportamentos que tanto criticam são muito idênticos dentro da sua esfera de ação. A começar por quem não declara os seus rendimentos e a acabar naquela simples ajudinha que se dá a um amigo para este conseguir emprego mais facilmente, uma simples palmadinha nas costas - que se designa de cunha ou compadrio quando se querem referir a quem integra a classe política. Estas práticas não são desculpáveis, nem pouco mais ou menos, são condenáveis independentemente de qual for o caso, quero alertar é que não são exclusivas de certos estratos como muitos nos querem fazer crer, fica sempre bem dizer que sim, ainda para mais com esta paranóia do politicamente correto que a cada dia que passa infeta cada vez mais pessoas.
Na sociedade portuguesa, existem duas frases eternizadas que são argumentos fáceis para quem não pretende ser fiel à verdade e por serem pouco factuais merecem ser desconstruídas:
- "Onde há dinheiro há corrupção" é a frase que mais ouvida de sempre quando se quer fazer alusão ao meio político, o que representa um estrondosa falácia. Onde existir "chicos-espertos" aí sim haverá corrupção. Por mais que se tente evitar haverá sempre alguém que se sentirá superior em relação ao outro e por isso vai achar que consegue dar a volta ao sistema. Ou seja, até se pode dizer isto de outra forma, onde houver muito dinheiro há "chicos-espertos".
- "Isto no tempo do Salazar é que era bom, ninguém ia para a política para enriquecer, por isso é que nem havia corrupção" - numa altura em que a política era vista como uma coisa má que devia ser deixada para quem já lá estava, para o dito "salvador da pátria", a maioria das pessoas só tinha noção daquilo que lhe mostravam, toda a informação era manipulada, a verdade conhecida era uma autêntica farsa. Só se enaltecia o que era bom e tudo aquilo que propagandeava o regime. Por isso, é impossível e nunca se poderá quantificar ao certo a verdadeira dimensão do nível de corrupção em ditaduras, não existem dados credíveis para tal.
Quer se queira ou não, a democracia tem os seus custos, para o bem e para o mal. Uma ditadura seguramente que custa muito mais. O que é certo é que com meios de comunicação atuais, o escrutínio continuo do poder está garantido e assim sendo, mais facilmente se detetam casos irregulares na gestão da coisa pública.
Ainda que mal pergunte: temos o país que merecemos?
Muitos de nós temos culpa do estado atual do nosso país sempre que os governos vão fazer mais do mesmo, depois votam sistematicamente nos mesmos partidos, o bi-partidarismo habitual, PS e PSD. Não se compreendem estas atitudes. Muitos bradam aos céus por um pulsar de sangue novo na política, por pessoas independentes, e depois quando essas finalmente aparecem, todos dizem que esses intervenientes não tem carisma e que querem políticos como antigamente.
O remédio para os grandes males da esfera política curam-se em parte sendo nós mesmos, portugueses, os curandeiros. Todos os dias, muitas pessoas, nas mais diversas áreas põe fermento no pão que o "diabo" irá amassar, porque se não queremos viver num país de cunhas e compadrio, não metas cunhas. Se não queremos viver num país de facilitismos, não facilites quando se trata apenas de teus entes queridos. Se não queremos viver num país de improviso, não sejas um aldrabão não fujas aos impostos. Se não queres um governo corrupto, não recebas parte do teu rendimento de forma ilicita. O grande problema deste país é que a nossa sociedade está infestada de falsos moralismos.
Seguramente que os portugueses não são todos iguais, mas muitos daqueles que não votam por já não acreditarem nos políticos se calhar tem de começar por olhar primeiro para o seu espectro pessoal e a agir em conformidade com aquilo que tanto defendem. As coisas demoram o seu tempo a interiorizar. Todos querem mudar drasticamente o paradigma político, mas enquanto as mentalidades não mudarem, ficará tudo exatamente igual!