Populismo na Europa

25-05-2020

Por David Trabuco

O populismo, tal como ocorre com a grande maioria dos fenómenos políticos, não tem uma definição concreta que seja universalmente aceite, coexistindo assim várias definições distintas com alguns pontos de convergência.

Como ponto de partida, reporto-me à definição de populismo no dicionário Cambridge, que o descreve da seguinte forma: "political ideas and activities that are intended to get the support of ordinary people by giving them what they want" ("ideias políticas e atividades que têm como objetivo obter o apoio de pessoas comuns ao dar-lhes aquilo que querem"), exemplificando com "tax cuts and higher wages" ("diminuição de impostos e subida de salários") (Cambridge Dictionary, 2020).

Esta definição de populismo é um tanto simplista, dado que se pode aplicar à grande parte da atividade política e dos partidos, cuja preocupação central é captar o apoio do eleitorado, acoberto de uma multiplicidade de promessas e ações, na premissa de que os eleitores votam de acordo com o seu interesse pessoal.

Autores como José Filipe Pinto descrevem o populismo como "(...) articulação do discurso reivindicativo", ou seja da utilização de um discurso que se baseia em promessas "(...) vozes falsamente encantadoras" sem nunca evidenciar as dificuldades ou impossibilidades para o seu conseguimento (Pinto, 2017, pp. 309-317).

Paralelamente, a autora Catherine Fieschi, defende que a atuação política dos populistas é baseada no instinto sem ter necessariamente correspondência com a situação real, sustentando-se em meias verdades (Hall, 2019).

O populismo engloba, assim, a uma série de ações ou ideias politicas com o objetivo de captar o apoio de uma franja substantiva da população, através de promessas ligeiras e, essencialmente, demagógicas, dado dificilmente serem exequíveis.

Outro fator comum no populismo reporta aos "strong men", ou seja, a líderes carismáticos, com uma forte presença, como por exemplo Donald Trump ou Vladimir Putin (European Political Strategy Centre, 2019).

Estes líderes tendem a fazer alusão a um passado glorioso que, imperativamente, é necessário restabelecer, situação patente nos slogans de campanha de Trump "Make America Great Again", ou nos discursos de Putin, em que é feita a apologia do poderio da antiga União Soviética.

Em complemento ao já referido, destaca-se o mencionado pelo autor Benjamin Moffitt, que caracteriza o populismo como um "political style", que utiliza uma forma específica de falar e atuar, sem estar apegado a uma ideologia em particular (fixed ideology), podendo assim ser de esquerda ou de direita.

Para o populismo, independentemente de ser de esquerda ou de direita, o que importa é o antagonismo em relação a uma elite dominante, centrada numa fratura da sociedade, que se encontra dividida em dois campos opostos (Serhan, 2020).

Como exemplo claro deste tipo de atuação temos o presidente norte-americano, que durante a candidatura utilizou diversos slogans, tais como "drain the swamp" e "lock her up", apresentando-se como um candidato do povo em luta contra o sistema instituído e contra as elites, dividindo a sociedade em grupos opostos, capitalizando e ampliando divisões já existentes ou artificialmente criadas para o efeito pretendido.

O recurso a temas fraturantes da sociedade é, pois, campo fértil para o populismo fomentar e cimentar a sua intervenção, nomeadamente o conflito entre os ricos e os pobres, os nacionais e os emigrantes ou entre os heterossexuais e a comunidade LGBT.

O populismo é um fenómeno complexo, existindo situações em que possa ser difícil determinar se estamos ou não perante um fenómeno de populismo. No entanto, pode-se caracterizar como um estilo político com uma atuação e discurso muito próprios, essencialmente, politicamente incorreto, sustentado numa figura carismática, que aproveita ou cria divisões na sociedade e apresentando-se como a única solução para alterar o "status quo" vigente.

Ressurgimento dos partidos populistas

Por todo o globo tem-se registado um aumento dos líderes e partidos populistas, desde as Américas ao velho continente, sendo que, inclusivamente, alguns já alcançaram o poder em múltiplos países, empurrando para segundo planos os partidos tradicionais que, incapazes de responder a este fenómeno, têm entrado em declínio, e tal tem contribuído substantivamente para o fortalecimento do populismo.

O autor José Filipe Pinto estabelece, inclusivamente, uma correlação entre a origem do populismo e a incapacidade do sistema político em responder a grande parte das exigências que lhe são impostas, o que suscita uma crescente insatisfação por parte da população, a qual vai ser aproveitada por líderes e fações populistas, que encontram na mesma um veículo para a sua progressiva ascensão política. O autor refer "Na perspetiva assinalada é à democracia que cabe a responsabilidade pelo surgimento do populismo, uma vez que foi a incompetência dos detentores de poder que deixou germinar o descontentamento popular" (Pinto, 2017, pp. 308-317).

A génese e crescimento do populismo não pode assim ser dissociada da sistemática incapacidade dos partidos tradicionais para resolver problemas prementes para a população em geral, abrindo caminho a uma vaga de partidos e dirigentes populistas, enfraquecendo e tornando-se uma ameaça, um sério aviso, para as democracias um pouco por todo o mundo.

Populismo na União Europeia

O populismo alcançou tal relevância que a União Europeia já encara este fenómeno como uma das suas principais ameaças, conforme foi reconhecido em 2010 pelo Presidente do Conselho Europeu (Pinto, 2017, p. 158).

Paralelamente, em 2019 o European Political Strategy Center, publicou um documento onde determina os "10 TRENDS SHAPING DEMOCRACY IN A VOLATILE WORLD" sendo o populismo um desse "trends", bem como o declínio dos partidos tradicionais e a crescente falta de confiança nas instituições democráticas (European Political Strategy Centre, 2019).

A referida publicação é o reconhecimento de que por toda a Europa os partidos tradicionais têm entrado em declínio, demonstrando-se incapazes de combater as tendências populistas, perdendo maiorias em múltiplos Estados membros e dando lugar a governos minoritários ou a coligações, sendo que, por outro lado, os partidos populistas europeus têm vindo a ocupar cada vez mais lugares no Parlamento Europeu.

Na Europa a falta de confiança nos partidos e instituições resulta sobretudo derivada da sistemática ineficácia em resolver problemas fraturantes para a sociedade em geral, passiveis de causar desigualdades e que se avolumam, sendo inclusivamente agravados pelas crises económicas. Destacando-se a esse respeito a crise ocorrida em 2008, e a incapacidade e falta de solidariedade evidenciada por alguns países europeus, debilidades prontamente capitalizadas pelos partidos populistas (European Political Strategy Centre, 2019).

Seguiu-se, posteriormente, a crise dos refugiados, com a qual a União Europeia se continua a debater, bem como com a consequências das políticas aplicadas, que causaram grandes divisões internas em diversos países, prontamente aproveitadas pelos partidos populista, que utilizaram os refugiados como ferramenta politica, agravando e capitalizando fraturas sociais.

Os refugiados passaram a ser caraterizados como uma ameaça à identidade europeia, e aos princípios judaico-cristãos do mundo ocidental, bem como um eventual risco à segurança interna dos países de acolhimento, na premissa de que poderiam tratar-se de potenciais terroristas com a capacidade de radicalizar a população nacional ou de perpetrar atentados terroristas, ou até mesmo, de ultrapassarem em número a população católica, retorica que foi utilizada pelo partido populista português de extrema direita PNR (Abdalla, 2017).

Novamente os partidos tradicionais ou "mainstream" manifestaram-se incapazes de travar o crescimento da retórica populista, dada a sua inaptidão para alcançar uma solução para este problema, ou mesmo uma orientação comum, manifestando uma gritante incapacidade argumentativa e de afirmação de posições concretas e solidas passiveis de o solucionar (Abdalla, 2017).

Estima-se, pois, à imagem do que sucedeu com as crises anteriores, que a situação de crise generalizada, quer humanitária, quer económica, decorrente do coronavírus, e a falta de entendimento entre os países membros da União Europeia, nomeadamente a divisão entre os países ricos do Norte e os países endividados do Sul e a lentidão de processos, possa vir a ser terreno fértil para o acentuar do crescimento de partidos e movimentos populistas.

A Europa apresenta, assim, todas as condições para a emergência do populismo que, consequentemente, tem vindo a crescer no seu seio, ocupando já lugares de governação em cada vez mais países. Resta assim saber se consegue estar à altura de desafio, o qual pode ser decisivo para a sua continuidade enquanto união de nações livres e democráticas.


Referências

Abdalla, J. (2017). Europe's Refugee Crisis: Right-Wing Populism and Mainstream Cooption in Germany and France . Tese de Mestrado. New York, Estados Unidos: City College of New York .

Cambridge Dictionary. (2020). populism.

Obtido de Cambridge Dictionary: https://dictionary.cambridge.org/dictionary/english/populism

European Political Strategy Centre. (2019). 10 TRENDS SHAPING DEMOCRACY IN A VOLATILE WORLD.

Obtido de European Political Strategy Centre: https://ec.europa.eu/epsc/sites/epsc/files/epsc_10trends_democracy.pdf

Hall, B. (2019). Populocracy: The Tyranny of Authenticity and the Rise of Populism, by Catherine Fieschi.

Obtido de Financial Times: https://www.ft.com/content/9b89b9be-a49b-11e9-a282-2df48f366f7d

Pinto, J. F. (2017). Populismo e Democracia.Lisboa: Edições Sílabo.

Serhan, Y. (2020). Populism Is Meaningless.

Obtido de The Atlantic: https://www.theatlantic.com/international/archive/2020/03/what-is-populism/607600/

TIMBRO. (2019). Authoritarian Populism Index.

Obtido de TIMBRO: https://populismindex.com/

TIMBRO. (2019). TIMBRO AUTHORITARIAN POPULISM INDEX.

Obtido de TIMBRO: https://populismindex.com/wp-content/uploads/2019/02/TAP2019C.pdf

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